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Uma Yashika Licz tornou-se acessório indispensável de seu táxi, assim como um acervo de suas imagens


PARA O MOTORISTA de táxi Antônio Miranda Pereira, 49, a Vila Madalena é uma escola -mais precisamente, uma escola de fotografia. Não que ele fotografe o bairro em si -seu interesse é pela cidade toda-, mas é que foi ali que ele acabou por encontrar, conduzidos em seu carro, vários professores voluntários, com quem se aconselha. “Comigo não tem foto digital, gosto mesmo é da película.” Miranda nasceu na Vila no tempo em que meninos se banhavam nos córregos e jogavam bola nos campos de futebol que se espalhavam pelo bairro. Não havia barezinhos, artistas, designers, boêmios nem semáforos. Um bonde passava pela rua Fradique Coutinho, as pessoas dormiam cedo. “Quando eu era criança, minha paixão já era a fotografia.” Filho de uma família humilde, Miranda acabou sobrevivendo com seu táxi -e esqueceu qualquer projeto artístico.

 

 

Até que, um dia, quando levava turistas para o Museu da Língua Portuguesa e, por acaso, tinha em seu carro uma máquina fotográfica, registrou a imagem de um mendigo que parecia estar morto.
“Quando vi a revelação, notei, surpreso, que eu tinha capturado uma extraordinária luz no rosto do mendigo.” A paixão voltou.
Uma das suas passageiras habituais, a fotógrafa profissional Lucy Felippe, estimulou-o a comprar uma máquina e deu-lhe as primeiras dicas. As conversas não se restringiram mais ao táxi. Eles passaram a encontrar-se periodicamente para tomar café em algum local da Vila.
Miranda insistia em não entrar na era digital. “Gosto de ver a foto que se revela lentamente, causa uma surpresa.” Para sua sorte, ele está ao lado da praça Benedito Calixto, com sua feira de antiguidades. “Ficava investigando as ofertas das barracas à procura de peças mais baratas.”
Quase sempre acabava encontrando alguma coisa.

 

 

Uma Yashika Licz tornou-se acessório indispensável de seu táxi, assim como um acervo de suas imagens. Como conhece muitos profissionais que moram ou trabalham no bairro, Miranda fez do seu carro uma espécie de sala. “Mostrava minhas fotos e ia pedindo dicas.” Ele próprio confessa: “Para esse tipo de passageiro, passei a ser meio chato.
Mas é minha única chance de aprender, não tenho dinheiro para pagar um curso profissional. Mesmo que tivesse, não teria gente tão experiente.” Para aumentar sua tentação, ele mora exatamente ao lado de um estúdio fotográfico.
À medida que seu trabalho vai evoluindo, ele mostra as imagens, agregando novas dicas de seus professores-passageiros.

 

 

Com seu acervo, ele já se sente capaz de sonhar -quer exibir suas imagens numa exposição. Até lá, conseguiu manter a coexistência entre um trabalho para ganhar dinheiro -o táxi- e sua paixão.

 

 



via Catraca Livre e FSP

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