Manipulações Públicas

Em 2003 eu entrevistei Sheldon Ramptom, editor do site PRWatch e autor de livros como Toxic Sludge is good for you, Weapons of Mass Deception e Banana Republicans. Era uma época em que eu estava deslumbrado com o conceito de Relações Públicas, com o poder dos nossos marqueteiros políticos e fui atrás do outro lado. Quem vigia esses caras.

Em ano de eleição, acho que vale a pena dar uma lida e pensar se a sua escolha é realmente sua.
Essa entrevista também foi publicada no site Duplipensar

Em uma eleição, quais são as técnicas de manipulação mais usadas em RP?

Existem três principais usos de pesquisas de opinião em campanhas :

1. Os pesquisadores tentam medir a opinião pública pois desta forma eles podem determinar que mensagens são mais prováveis de fazer com que as pessoas votem em seu candidato.
2. Algumas pesquisas de opinião são usadas como um esforço para direcionar a opinião pública. Os eleitores indecisos são os que têm mais probabilidade de votar em alguém que eles imaginam ser o mais popular, e algumas vezes os pesquisadores publicam pesquisas de opinião que mostram que o candidato X está ganhando na esperança de influenciar esse eleitores indecisos.
3. Outra técnica usada mas condenável, é uma que surgiu nos últimos anos é a chamada “Push polls”( pesquisa para promoção) em que a pesquisa nada mais é do que uma desculpa para telefonar para os eleitores e espalhar boatos negativos sobre outros candidatos. Por exemplo, o pesquisador pode telefonar para alguém e dizer: “Estamos fazendo uma pesquisa. Você estaria mais inclinado em votar no candidato X se você soubesse que ele foi acusado de dirigir embriagado?” O Propósito dessa pergunta não é saber a opinião do eleitor. A pessoa que está telefonando está tentando plantar um boato sobre o candidato X na esperança de que esse boato se espalhe e mude a imagem deste candidato para os eleitores.

No Brasil, o papel de relações públicas é muito importante e, muitas vezes mais importante que o projeto real (o candidato). Qual é o impacto deste comportamento a longo prazo e como isso pode influenciar a opinião pública e o governo?

Um perigo é que os políticos usam pesquisas de opinião para moldar as suas campanhas, isso torna mais difícil para o público saber o que os candidates realmente pensam. Seria tudo bem se isso significasse que os candidatos estão realmente respondendo às pesquisas de opinião e oferecendo o que o público quer mas, na realidade, as pesquisas apenas medem o que o publico pensa superficialmente. Além disso, se tornou comum em várias partes do mundo os politicos falarem uma coisa quando são candidatos e fazerem outra completamente diferente após serem eleitos.

A maior parte dos candidatos são tratados por profissionais de RP e marqueteiros como um produto. Pesquisas são feitas, análises de opinião pública e seus desejos e apenas após isso tudo o candidato é apresentado como uma nova pessoa que combina com a maneira que o público deseja vê-lo. Isso pode ser considerado manipulação? E o que é mais importante: o candidato, o produto ou o tratamento visual dado aos programas de TV e suas propagandas?

A personalidade do candidato e sua visão política continuam importantes, mas quando os profissionais de RP tomam conta da maquina da política eleitoral, se torna extremamente difícil para o público selecionar candidatos baseado nesses pontos. Ao invés disso , eles acabam votando em um candidato por que alguém soube como manipular a maneira como esse candidato é visto pelo público. Ou seja, é criada uma barreira entre o público e seus representantes eleitos.

Grande parte das notícias publicadas são meras cópias dos press releases e sua autenticidade muitas vezes nem é verificada. Você acredita que esse tipo de atitude (mesmo quando é feita inocentemente) pode reforçar uma marca ou mudar a opinião pública?

Certamente influencia a opinião pública. Se não influenciasse ninguém se importaria em escrever e enviar esses releases.

Você acha que ensinando as pessoas a desconstruir a mídia pode fazer com que elas consigam se defender das empresas de RP? Na sua opinião, de que maneira podemos nos proteger dessa manipulação invisível como você mesmo considera as táticas de RP?

Ninguém pode se proteger completamente das pessoas que estão tentando nos manipular com propaganda, mas se conseguirmos reconhecer as técnicas de RP, se tornará mais dificil de nos manipular. Por exemplo, vários noticiários nos Estados Unidos contém histórias que na verdade são “Video News Releases” (VNR) – segmentos inteiros foram roteirizados, filmados e editados integralmente por empresas de RP – para seus clientes. Alguma estação de TV local usará esses VNRs sem nenhuma edição independente ou algo que o valha. Isso significa que essas “notícias” são, na verdade, propaganda disfarçada. A maior parte do público não sabe que essa prática acontece, mas uma vez que você descobre, dá até para deduzir enquanto está assistindo o noticiário que segmentos são PNR e quais não são.

No documentário da Frontline “Merchants of Cool” fica claro que poucas pessoas se perguntam “quem ganha com isso?” Isso se aplica para auto defesa de táticas de RP?

Eu acho que sempre que assistimos o noticiário, devemos esperar que ele contenha propaganda oculta. Nós sempre devemos nos perguntar “O que eles estão tentando fazer com que eu acredite? Por que? Quem pode ser o cliente por trás dessa mensagem?”

Em um mundo de mega fusões, é possível que você tenha o ponto de vista de apenas uma empresa. Empresas como AOL/Time Warner também usam empresas de RP ou a sua própria máquina de manipulação é auto suficiente?

Mesmo empresas como a AOL/Time Warner constumam contratar empresas de RP. Atualmente, duas empresas de RP (nos EUA) listam AOL/Time Warner como cliente: Hayslett Sorrel and Broad Street. Essas listagens podem ser vistas em: http://www.odwyerpr.com/client_database/clientpr_search.html?searchterms=aol (apenas para assinantes)

Que tipo de tática de RP é a pior? Terceirização (3rd party technique) é a mais eficiente? Todos os métodos se aplicam a qualquer produto/iniciativa? Pode ir de empresas até candidatos presidenciais?

Eu acho que a terceirização faz parte de um plano de RP que visa enganar. Mas nem todos os profissionais de RP são desonestos e manipuladores. Mesmo organizações sem fins lucrativos e instituições como bibliotecas públicas podem contratar um profissional de RP para ajuda-los a escrever press releases e informar o público sobre suas atividades. Entretanto, estes tipos de organização raramente têm qualquer necessidade ou vontade de usar a terceirização. Essa técnica é descrita por professionais de RP como aquela que tenta, colocar a palavra do seu cliente na boca de outras pessoas o ideal é que a boca de outra pessoa seja de alguém que pareça ser independente do seu cliente(que tem interesse em que o público pense de certa maneira). A razão de tentar colocar suas palavras na boca de outras pessoas é por que eles desejam esconder a ganância e interesses próprios que motivaram a mensagem, e essa prática é uma prática enganadora.

Quando a mídia independente usa táticas de RP para obter maior público, pode-se se tornar uma armadilha e esvaziar a causa?

Isso é possível, mas como afirmei anteriormente, nem todas as técnicas de RP são malignas. As técnicas que nós criticamos no PR Watch envolvem algum tipo de manipulação: escondem a identidade do cliente, tentam enrolar o público apresentando e interpretando determinados fatos, e outras técnicas que distorcem e até censuram informação. Se a mídia independente evitar usar essas táticas, eu acho que eles podem manter a sua integridade.

Timothy Leary, em um de seus discursos, dizia “think for yourself , question authority”. A imprensa é conhecida como quarto poder. Desconstruir as notícias pode ser a melhor maneira de questionar a autoridade?

Eu nunca fui um grande fã do Timothy Leary. Não sei se desconstruindo as notícias é o “melhor” modo de questionar a autoridade, mas com certeza é uma forma importante de questionar a autoridade. Nós vivemos em um mundo em que somos constantemente bombardeados por imagens da mídia que tentam influenciar nossa maneira de pensar. Se nós não entendermos como essas imagens são construídas e ao interesse de quem elas servem, questionar a autoridade se torna bastante difícil.

Você pode listar algumas táticas usadas pelas empresas de RP, explicar como funcionam e dar exemplos delas?

Empresas de RP montam press releases, que são basicamente notícias/historias pré-embaladas que eles esperam que sejam re-impressas pelos jornalistas que os recebem. Somado aos releases impressos, eles também produzem audio releases e video news releases, que eu descrevi anteriormente. Eles conduzem pesquisa de opinião, pois assim podem determinar como o público percebe as coisas que afetam os interesses de seus clientes.

Algumas empresas de RP são especializadas em recrutamente e treinamento de porta-vozes: Algumas empresas de RP criam “front groups” – organizações que parecem ser independentes, sem fins lucrativos, mas que são preparadas para adiantar o interesse de alguns de seus clientes. Por exemplo, a empresa de RP Burson-Marsteller, criou um front group chamado de Aliança Nacional de Fumantes (National Smokers Alliance). Sua missão era defender os direitos dos fumantes, mas sua missão real era servir aos interesses de seu cliente, Phillip Morris. Em outro caso, a empresa de RP Hill & Knowlton criou, em 1990, um front group chamado Cidadãos por um Kuwait Livre (Citzens for free kuwait) para promover o apoio norte americano a guerra no Golfo Pérsico. Na verdade, quase todo o dinheiro investido nesse grupo veio de um único cliente: o governo em exílio do Kuwait.

Empresas de RP também usam seus contatos com repórteres para trabalhar nos bastidores de modo que as historias sejam voltadas para seus interesses. Elas também costumam cultivar relacionamentos com repórteres ao oferecerem-se para fazer favores para eles:sugerindo matérias, ajudando na pesquisa. Algumas vezes, elas ainda vão mais longe e oferecem um suborno sutil. Por exemplo, repórteres de turismo são freqüentemente convidados para o que é chamado de “Fam Trips”. Sendo que o termo Fam vem de familiarização. Uma Fam Trip é uma viagem com todos os custos pagos para um resort onde o repórter poderá conhecer o estabelecimento e escrever uma resenha crítica. É claro que um repórter que tem todas as despesas pagas para férias em Flórida ou nas Bahamas vai acabar escrevendo coisas boas a respeito do hotel que pagou todas as suas despesas de viagem.

Outras vezes as empresas de RP jogam duro. Se um repórter está escrevendo uma matéria que critica um de seus clientes, eles podem intimidar o repórter reclamando com o seu editor ou outro supervisor.

Empresas de RP são conhecidas por se envolver em técnicas de espionagem. Por exemplo, ao usar nomes falsos ou outras identidades, eles podem se filiar como voluntários a uma organização sem fins lucrativos para dessa forma coletar informações que podem ser usadas contra a sua organização ou seus clientes. Por exemplo, a empresa de RP Mongoven, Biscoe & Duchin compila documentos sobre os grupos envolvidos com causas relacionadas ao meio ambiente para clientes como Monsanto e Philip Morris.

Você acredita que a internet e a overdose de informação que recebemos hoje facilita a manipulação da população através de táticas de RP? Não lembramos de onde vem tal notícia e isso faz com que acreditemos que a noticia seja de uma fonte confiável e não de um não-confiável?

A internet é uma faca de dois gumes. De um lado pode ser a fonte de informações não confiáveis. Do outro lado , a internet cria canais alternativos através dos quais as pessoas podem conseguir informação. No passado, as grandes redes de TV e jornais eram os principais instrumentos para obtenção de informação sobre eventos mundiais. Hoje é possível procurar informação de diferentes países e diferentes pontos de vista. As vezes as pessoas da indústria de RP reclamam que isso torna o trabalho delas mais difícil, mas eles também usam a internet, ambos distribuem informação para os seus clientes e para estudar a percepção do público para que eles possam fazer um trabalho melhor ao manipular o público.

2 thoughts on “Manipulações Públicas”

  1. Isso realmente é assustador. Fiz um trabalho, ainda na época da escola, sobre marketing político. Cheguei a entrevistar uma mulher que trabalhava na Toledo & Toledo Associados, um instituto de pesquisa. O que mais me impressionou na época foi que o termo “Caçador de Marajás”, do nosso queridinho, foi tirado de pesquisas. Os pesquisadores reuniram a gama de palavras mais utilizadas pelo povo e perceberam que “marajá” era um termo muito citado negativamente. Por isso o slogan “Caçador de Marajás”.

    E o mais irônico de tudo é o slogan da Toledo & Toledo Associados: “As certezas enganam, as pesquisas não”. Poderia ser algo do tipo “Argumentos para suas certezas funcionarem”.

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